sexta-feira, junho 18, 2004

O Naufrágio
Quando este texto estiver nos "Animais" estarei a banhos nas praias do Mediterrâneo. É uma reincidência! Fico sempre fascinado com este Mar imenso, dum azul fundo e límpido. Foi neste mar que há 2700 anos Jonas foi cuspido dum peixe. Foi neste mesmo mar que há 2000 anos Paulo foi cuspido dum barco. Os dois naufragaram neste mar. As semelhanças entre os dois passam da coincidência e viram cristocidência. Jonas enamorado duma planta (foi o primeiro profeta ecológico), Paulo romanceado com pessoas: "nem um cabelo se perderá!" Jonas alienado a dormir no meio da borrasca, Paulo empenhado e envolvido na salvação do barco e nos relacionamentos pessoais a bordo. Jonas tem um encontro imediato com uma planta, Paulo com uma serpente. Jonas dando importância à matéria - "skarah" - comprando todo o barco, Paulo interessado no espiritual. Jonas vendo o natural - bílis no estômago do peixe, Paulo vislumbrando o sobrenatural: "um anjo". Jonas fugindo da face de Deus, Paulo dialogando e orando com Deus. E, fico-me nas ambiguidades da pergunta: serei Paulo, ou serei Jonas? Nas entrelinhas está a resposta. Há um desejo enorme em mim de ser Paulo, e há uma pré-disposição brutal de ser Jonas. E, neste ser e não ser, fico olhando o Mar, numa dança e contradança de nunca esquecer.
Samuel Nunes