sexta-feira, junho 18, 2004

Orgulho e preconceito
O meu orgulho evangélico nunca residirá na sofisticação alternativa que o "credo desviante" pode suscitar. Aqui no interior não há disso. Nunca me lembro de, na pequena Tondela, a minha religião ter causado curiosidade cultural a qualquer amigo. Jamais me confessei protestante para impressionar miúdas. Isso não resulta, em Tondela não resulta.
A minha vergonha evangélica reside - isto sim defino mais facilmente - em tudo o que se confunde com cristianismo e não passa de diletantismo denominacional. Sufoca-me mas não me leva a desistir. Por muito que ataque a mediocridade dos cultos aponto de dentro, não falto a um. Se escrevo a criticar a insipidez das palavras fico-me também pela inoperante escrita e vejo homens subir ao púlpito para que eu não tenha razão. Quando reparo nas agruras da vida comunitária conto as bênçãos. Provavelmente isto permanecerá intrincado, mas a minha vergonha evangélica poderá estar na raiz de grande parte do meu orgulho evangélico.
Não me considero um hipócrita sempre desunhado na crítica ao sistema que subscreve. Sou um tipo da pequena Tondela, demasiado provinciano para ser insidioso, demasiado bem-intencionado para ser fútil. Restrinjo à minha pessoa toda a ironia que acabo de traçar. Talvez me tenha habituado em demasia a escrever censuras aos evangélicos mas a estratégia inconsciente é "menos mal" elaborada: antecipo-me às críticas exteriores quando eu próprio, assumindo-me evangélico, nos repreendo, evangélicos assumidos, orgulhosos ou envergonhados.
Com isto da Internet a "curiosidade cultural" ou as "miúdas impressionadas" podem estar na janela da frente. A pequena cidade beirã perde fronteiras que não faço ideia até onde se alargam. Oportunidade soberana para desfilar o meu "orgulho evangélico", especialmente este incaracterístico que desprendidamente ataca os seus. A aceitação intelectual pode estar mesmo ali atrás de meia dúzia de conhecimentos sobre profetas menores. Ei, olhem todos para mim, o do "credo desviante"...
...Meu Deus, que porcaria de orgulho é que eu poderia ter nisto?
A carapuça não me serve e, sei-o sem margem para dúvidas, está igualmente uns largos números abaixo da cabeça dos meus amigos que partilham este espaço dos Animais Evangélicos. No dia em que decidir aproveitar-me da religião para me auto-promover que serei mais do que um diletante denominacional? Terei vergonha.
Samuel Úria